2/15/2006

O verdadeiro inimigo dos brasileiros - Portal EXAME - Negócios Economia Marketing Finanças Carreira Tecnologia

O melhor artigo que vi na imprensa brasileira em muito tempo. O pior é que não há escolha: você vota no Ciro Gomes como oposição ao Lula e o cara pula para o governo no dia seguinte. O Serra também tinha um programa idêntico ao do PT. Ninguém tem coragem de ter uma idéia nova ou de reformar o Estado. Continuamos o país das capitanias hereditárias, fatiado entre o Duque de Coimbra, o Marquês de Bragança e o Conde de Funchal. Ao contrário dos americanos, que tinham que se virar para não serem escalpelados pelos índios ou morrerem de fome na nevasca, aqui aprendemos a depender dos doutores poetas e do trabalho dos escravos. Nada muda. E não há dúvida que esse pensamento se infiltrou no estilo executivo do país: a maioria dos profissionais ainda acredita que para subir na carreira, o jeito é não fazer onda, não inovar muito, não ousar...o jeito é ir levando, com muita diplomacia, empurrando com a barriga. E desse jeito estamos assim, com o pior desempenho entre TODOS os países emergentes. Não podemos só culpar o governo e esquecer da medicocridade empresarial, a culpa é de todos nós. O verdadeiro inimigo dos brasileiros - Portal EXAME - Negócios Economia Marketing Finanças Carreira Tecnologia:

O verdadeiro inimigo dos brasileiros

| 09.02.2006

Os políticos -- do governo e da oposição -- são incapazes de apontar a razão do nosso atraso: enquanto o setor público funcionar como funciona, não haverá chance alguma de sucesso

Por J. R. Guzzo

EXAME

Os políticos brasileiros, quase sem exceção, passam o tempo todo a dizer que estão fazendo o melhor que podem, ou, como acontece no atual governo, que estão fazendo melhor do que jamais foi feito na história "deste país". O que deveriam demonstrar é outra coisa: se estão fazendo o necessário. No fundo, é isso o que realmente importa, e isso é o que menos se vê. Num ano eleitoral, então, a tendência é ver menos ainda. O governo, que quer continuar, promete encher a paciência dos eleitores (além de usar seu dinheiro) fazendo propaganda da obra fabulosa que estaria realizando -- uma propaganda que precisa ser tanto mais intensa quanto mais invisível é a obra. Tudo serve aí: criação de fundos que não têm fundos, extinção de problemas por meio de discursos, apresentação de promessas como sendo soluções e, no que parece ser uma especialidade desenvolvida pela atual administração, a inauguração de obras a ser feitas algum dia. A oposição, que pretende chegar lá, concentra sua principal esperança na ruindade pura e simples do governo. O que os políticos dos dois lados não dizem é se fizeram, ou farão, o que precisa ser feito. E não dizem pela mesma razão: porque não sabem ou não querem fazer.

O Brasil, como ocorre com a maioria dos países que têm carências de mais e recursos de menos, está sempre diante de uma lista muito grande de urgências urgentíssimas. Tudo é prioritário ao mesmo tempo -- e o resultado disso, no mundo das ações concretas, é que os governos acabam não mostrando eficácia em prioridade alguma. A maneira mais sensata de sair dessa sinuca está em algo que não faz parte do plano de vôo de nenhum ator da cena pública, o que explica, justamente, por que a vida passa e a complicação continua mais ou menos do mesmo tamanho: seria admitir, de verdade, que o principal inimigo do Brasil é o Estado brasileiro. Pode não ser o único, porque raramente o mundo das coisas reais colabora nos dando um problema só por vez, mas, com certeza, é nele que está a origem da maioria das prioridades não resolvidas e nele que mais se age para não resolvê-las nunca. A prioridade real, assim, pelo menos para quem acredita mais na busca de soluções do que na defesa de causas, é ir tirando do Estado a sua capacidade de causar danos objetivos à população. Fazer isso, no Brasil de hoje, é fazer o necessário.

Não há nenhuma necessidade de ficar o resto da vida discutindo a questão quando se tem, à vista de todo mundo, uma pergunta básica: como alguém pode esperar soluções reais num país onde o Estado, só na esfera federal, arrecada perto de 500 bilhões de reais por ano e nunca tem dinheiro para nada? Entre impostos e previdência social, foi o que o governo tirou dos brasileiros em 2005, e é daí para cima que vai tirar de novo em 2006. Somando-se a isso os impostos estaduais e municipais, perto de 40% de tudo o que se produz no país é consumido para sustentar a máquina estatal, que não devolve à população uma contrapartida sequer remotamente proporcional ao que custa. É uma conta que não pode fechar, por qualquer lado que se olhe -- e por isso, justamente, não fecha. Se todo esse dinheiro não é suficiente para fazer alguma coisa de útil, quanto, então, seria preciso? É um caso de rosca sem fim. Para piorar, há o fato de que o Estado não apenas custa muito e faz pouco, mas consegue dever cada vez mais. Em 2005, o governo pagou quase 160 bilhões de reais de juros, cerca de um terço de tudo o que arrecadou em impostos e, ainda assim, começa 2006 devendo 1 trilhão de reais -- ou o equivalente a 450 bilhões de dólares, soma capaz de causar estrago até no Orçamento americano.

Essas cifras são apenas o começo da encrenca. O governo vive lamentando a concentração de renda, mas nunca lhe ocorre que o Estado funciona hoje como o maior concentrador -- não por acaso, mas por estar organizado de forma a fazer precisamente isso. A Previdência Social, para ficar no caso mais óbvio, entrega quase dois terços de tudo o que arrecada a apenas 20% dos seus beneficiários e, como gasta mais do que capta, ainda vai buscar no Tesouro dinheiro extra para executar seu programa de pagar muito a poucos. A universidade pública é outro exemplo patológico de concentração direta na veia. O Estado gasta com um aluno do curso primário um quinto do que gasta a Inglaterra, como acaba de lembrar na revista Veja o professor Norman Gall, do Instituto Fernand Braudel, de São Paulo. Em compensação, gasta com um universitário o dobro do que despendem os ingleses e, com tudo isso, consegue não ter nenhuma universidade entre as 200 melhores do mundo. Poucos países têm, como o Brasil, tantas facilidades para transformar recursos públicos em rendimentos privados -- verbas gastas com o bem-estar das camadas superiores do funcionalismo público, indenizações milionárias pagas pelo Estado, doações a ONGs e "movimentos sociais" ou, como se vê todos os dias, corrupção pura e simples.

O Estado brasileiro funciona como inimigo do país, ainda, quando se vê a patente hostilidade da burocracia, em todos os níveis, em relação a qualquer interesse do cidadão. Diariamente, milhares de pessoas a serviço do poder público se empenham em dificultar ao máximo a ação de empresas e indivíduos que querem empreender alguma coisa. É um mundo onde a criação de riquezas, por modestas que sejam, é vista sempre com suspeita -- algo apenas tolerado, na melhor das hipóteses, e combatido o tempo todo com a exigência de licenças, guias, despachos, certidões, provas, vistorias, prazos, registros, cinco vias para isso, sete vias para aquilo. Não é possível construir um forno para pizza, aumentar a área de um galpão ou ligar uma máquina de fábrica sem a aprovação de algum servidor. Mais que o protecionismo dos países estrangeiros, o pior adversário que existe hoje para um exportador brasileiro, sobretudo o pequeno, é o serviço público do seu próprio país.

Forte para travar o país e atrasar o desenvolvimento, o Estado brasileiro é fraquíssimo onde tem a obrigação de mostrar força. É um caso de debilidade extrema, para começar, na área onde os cidadãos mais têm o direito de esperar que atue com firmeza: no cumprimento da lei, única maneira de assegurar a proteção aos direitos individuais e ao interesse público. Nenhum cidadão brasileiro, hoje, tem um grau razoável de expectativa de bom funcionamento da Justiça, algo inevitável quando se vê os exemplos dados em cima: um ministro da mais alta corte do país que opera abertamente como militante político, desembargadores que entopem os quadros do Judiciário com nomeações de seus parentes, o favorecimento sistemático de todo acusado que tenha dinheiro ou apoio corporativo. O Estado é fraco, também, para defender os interesses do país, como acaba de mostrar com mais uma capitulação diante da Argentina na mesa de negociações. Para promover uma tumultuada ideologia pessoal dos três ministros das relações exteriores, trabalha contra os produtores brasileiros -- gente que, na atual visão da nossa diplomacia, só serve para atrapalhar os objetivos da geopolítica do PT. O Estado brasileiro não tem força nem mesmo para executar as obras que o próprio governo decide fazer. Pela soma de uma legislação economicamente suicida, uma burocracia paraplégica e incapacidade de superar pressões, hidrelétricas estão paradas, obras vitais, como o Rodoanel de São Paulo, não avançam, ministros dão ordens que não são cumpridas pela máquina de seus próprios ministérios.

O comentário mais comum, quando esses fatos são apontados para os defensores do "Estado forte" ou para ocupantes de posições na hierarquia estatal, é que "a coisa não é por aí". Por onde seria, então? A verdade é que a maioria dos participantes da vida pública no Brasil não aceita -- não a sério -- a idéia de que é indispensável enfrentar o Estado e diminuir sua capacidade de impedir o progresso. Isso não faz parte, simplesmente, do seu código genético, até porque esse tipo de trabalho só gera resultados a longo prazo e, como se sabe, resultados a longo prazo raramente rendem alguma coisa de útil para os responsáveis por sua obtenção. O homem político brasileiro, da situação ou oposição, de hoje ou de ontem, se mantém fiel à convicção de que a máquina do Estado existe para mandar no país, e não para servir os cidadãos. Uma boa ilustração disso, e algo que se vê com fartura em épocas de eleição, são as faixas colocadas em inaugurações. "Agradecemos ao presidente (ou então ao ministro, governador, prefeito) a obra tal." Como assim, "agradecemos"? A obra só existe porque a população pagou por ela com o seu dinheiro. Por que alguém teria de agradecer a um governante por cumprir uma obrigação elementar? Mas é assim que se concebe, na vida pública brasileira, o papel destinado a quem está fora dela. Enquanto a procissão continuar seguindo por aí, não há como esperar grande coisa de governo algum.

Um comentário:

  1. Acho só que o artigo poderia ter incluído um elogio aos funcionários públicos que, mesmo ganhando pouco, tentam fazer um bom trabalho e melhorar as coisas. Parabéns para eles.

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